ENSAIOS SOBRE O STAY PERIOD: ANÁLISE E REFLEXÕES SOBRE AS SUAS LIMITAÇÕES E ALCANCE
O presente trabalho visa realizar a análise das mudanças trazidas pela Lei de Recuperação e Falência, em especial, ao instituto jurídico de suma relevância, para o interesse da atividade econômica, conhecido como stay period, seus efeitos e desafios.
Para chegar a tanto, inicialmente, abordaremos uma breve contextualização da evolução histórica do tratamento legal dispensado ao empresário em crise econômico-financeira.
Em seguida, analisaremos qual a origem, conceituação e importância do instituto stay period, como ferramenta para a solução da crise econômico-financeira, e de proteção de interesses sociais e coletivos, por via da proteção da atividade econômica.
Abordagem que, ao final, nos permita concluir o alcance e limitações do stay period, assim como, os desafios a serem alcançados, em razão da forma em como têm sido aplicado pelo nosso Judiciário, sob o ponto de vista crítico, em defesa do princípio pelo qual, justifica a sua existência em nosso ordenamento.
Breve Contexto Histórico
Nos primórdios, o antigo Direito Romano já apresentava no seu ordenamento, mecanismos para executar a dívida do devedor em crise ou falido – pois nesta época se equiparavam – pelo que então se denominava como manus injectio.
Naquele contexto, o instituto da manus injectio, defendia que a execução deveria recair sobre a pessoa do devedor ou falido, e não sobre o seu patrimônio. Portanto, nos tempos antigos, a execução de dívidas, se operava como verdadeira pena a pessoa do falido.
A manus injectio era aplicada ao devedor que, após decorrido o prazo de 30 dias para o efetivo pagamento da dívida, se mantivesse na condição de inadimplente. A partir de então, darse-ia três oportunidades distintas para alguém pagar a dívida deste. No entanto, permanecendo a condição de inadimplente após isso, o credor passaria ter direito ao corpo do devedor, o fazendo de escravo. Punição conhecida pelo instituto da nexum dare, ou seja, escravidão por
dívida, até que julgasse que fosse paga.
Nos primórdios, portanto, o devedor ou falido, pagava a dívida com a sua liberdade, ou pela sua própria vida.
Contudo, foi ainda sob a égide do Direito Romano que houve a evolução da execução das dívidas do falido, com a extinção da manus injectio e nexum dare, pela instituição da Lex Poetilia Papira, em torno de 326 anos a.c. Pela Lex Poetilia Papira, deu-se lugar da execução da dívida não paga pelo falido, da sua pessoa para o seu patrimônio. Nasceu daí, a ideia da execução patrimonial pela dívida do falido.
Mas a evolução do instituto não foi progressiva, vez que na idade média, a responsabilidade da execução da dívida do devedor em crise ou falido, voltava a recair sobre a sua pessoa, mediante prisão, mutilação e morte. Nesse tempo, o falido era visto como enganador, alguém que perpetuou fraude. A própria palavra “falência” era proveniente do verbo “faltare”, que significava enganar, falsear.
O Código Napoleônico de 1804, que muito influenciou o Código Comercial Francês no ano de 1807 apresentou evolução quanto ao termo e tratamento a ser dispensado ao “falido”, vez que, promoveu a distinção entre “devedores honestos” e “devedores desonestos”, com penas distintas, e menos severas. Foi a semente para no futuro, analisar o instituto da falência em caráter socioeconômico, como é hoje.
No século XX, finalmente, houve uma verdadeira evolução deste instituto jurídico promovido pelo Estados Unidos da América, por meio das legislações conhecidas como Bankruptcy Act, de 1934 e, posteriormente, com a Chandler Act, de 1938. Modelo institucional que apresentou aos demais ordenamentos, o princípio de proteger empresas em dificuldades financeiras e permitir a reorganização de suas dívidas, em vez de simplesmente liquidar seus ativos. Fonte normativa inspiradora da recuperação judicial, servindo de modelo e de estudo ao direito comparado.
Observa-se, então, que a partir do século XX, consolida a noção de não punir o devedor empresário, com a decretação de falência por dívidas não pagas, mas sim, de possibilitar a manutenção de sua atividade econômica, assegurando a chance de ouro para a sua restruturação de ativos ao invés de decretar a falência, a bem de um interesse social e de promoção econômica. Princípio que inspira o mecanismo do stay period, como se adiante verá.
No contexto histórico do ordenamento brasileiro, a execução das dívidas do empresário em crise ou falido, foi observado no Código Comercial Brasileiro de 1850, que procurava a 5 todo custo, proteger os interesses do credor, sem se preocupar com os efeitos lesivos do encerramento da atividade comercial no cenário econômico e social.
De gradativa evolução sobre o tema, veio o Decreto n.º 917, seguido pela Lei 856, de 1902, substituída pela Lei n.º 2.024/1908, sem grandes alterações.
No entanto, digno de nota, a defesa absoluta dos interesses dos credores perante o falido, perdeu força com o Decreto-Lei 7.661, de 1945, promulgada no período do Estado Novo, no Governo de Getúlio Vargas, por atribuir maiores poderes aos magistrados. Todavia, esse período não ficou conhecido na prática, como estímulo a efetiva recuperação do empresário em crise, para fins de evitar a decretação de falência.
Cenário que começou a mudar, com a promulgação da Lei n.º 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, com efeitos ampliados pela Lei 14.112, de 26 de março de 2020. A Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e de Falência, extinguiu as concordatas preventivas e suspensivas, por mecanismos que instituem a Recuperação Judicial e Extrajudicial, com nítida preocupação de guarnecer os interesses sociais e da atividade econômica, sobre os interesses privados dos credores. Dentre esses mecanismos, imprescindível para a defesa dos interesses sociais e econômicos que representa a atividade econômica do devedor, responsável pelo “fôlego” ao empresário, é o instituto do stay period, positivado no artigo 6.º e §4.º da Lei 11.101/2005.
Conceito e Fundamentação Jurídica do Stay Period
Nas palavras do professor Marcelo Sacramone, nos servimos da concepção que informa o início dos efeitos do stay period ou período de permanênciai:
Na recuperação judicial, deferido o processamento do pedido, todas as ações e execuções em face do empresário em recuperação são suspensas por 180 dias para que ele possa se compor com os seus credores a respeito do meio para recuperar sua atividade e saldar seus débitos
O stay period na recuperação judicial é um período de suspensão das ações de execuções judiciais, expropriatórias ou de constrição patrimonial contra o devedor, instituído para garantir que ele tenha, ou reúna as condições de reestruturar suas operações para ter condições de pagar as dívidas, para fins de se manter na atividade econômica, e contribuindo com o interesse social que dela advém.
Este mecanismo visa preservar a empresa, favorecendo a continuidade de suas atividades. Nesse viés, é interessante argumento do jurista Paulo Penalva Santos, que resume a essência do stay periodii: “É uma medida essencial para que o devedor consiga negociar com seus credores sem ser ameaçado por atos de constrição patrimonial”.
Pelas palavras do jurista renomado, Fabio Coelho Ulhoa, observaiii:
O stay period concede ao devedor uma proteção temporária, fundamental para que o plano de recuperação seja apresentado e votado. É o tempo necessário para que o devedor e os credores avaliem as possibilidades de superação da crise
O stay period é, portanto, uma enorme evolução trazida pela Lei 11.101/2005, fundamental para criar o ambiente favorável ao êxito do plano de recuperação judicial. Sem isso, o instituto de recuperação judicial estaria fadado ao fracasso, com a mesma infeliz sorte da concordata preventiva e suspensiva, sem resultados efetivos na prática.
A fundamentação legal deste mecanismo, é abordado expressamente no artigo 6.º e §4.º da Lei 11.101/2005, nos seguintes termos:
Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
(…)
§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
Iluminado pela concepção conceitual abordada, o stay period ou estado de permanência, constitui um mecanismo essencial para a manutenção da atividade econômica do devedor, e da efetividade do plano de recuperação judicial, como medida de equilíbrio dos interesses do credor, do devedor, e da sociedade, com a proteção do interesse social, coletivo e econômico, proveniente da contribuição da atividade econômica do devedor em crise.
Destarte, o stay period não pode servir como uma ferramenta apenas para que as empresas funcionem com a suspensão das ações e atos de constrição patrimonial ao longo da recuperação judicial, a revelia dos valores sociais e econômicos que justificam a sua proteção, e em prejuízo dos credores
Critérios e Consequências do Stay Period
Nos parece razoável afirmar que o critério primeiro para que o devedor empresário possa a se beneficiar do stay period, é a constatação perante o juízo da recuperação judicial, que a empresa possui viabilidade econômica e financeira para sair da crise econômica. Não havendo a constatação de viabilidade econômica e financeira da empresa em crise, não será caso de recuperação judicial e, portanto, dos benefícios do stay period, mas sim, de falência.
Havendo o critério da viabilidade econômico-financeira da empresa para sair da crise em que se encontra, o juízo da recuperação judicial deferirá o pedido e, com isso, inicia-se os efeitos do stay period.
Efeitos ora já abortados na fundamentação citada supra (LRF, art. 6.º, §7.º-A), que explicitaremos mais detalhadamente: i) suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta LRF; ii) suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência ; iii) proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência
Evidente que, como consequência do stay period para os credores, haverá abalo do seu ativo financeiro. Entretanto, não há dúvidas que, não fosse assim, não haveria estímulo por parte destes a aprovar um plano de recuperação judicial que atenda tanto os seus interesses, mas também, o do devedor. É de presunção absoluta que os credores preferem a execução dos seus créditos com todas as suas garantias, a ter que mediar e aceitar alguma perda financeira, sem se ater aos princípios sociais e de suma importância a economia que representa a atividade econômica.
Por outro lado, para que benefícios do stay period surtam os seus efeitos, há obrigações a serem observadas pelo empresário devedor, que reside no comprometimento real de intermediar perante os seus credores. Condições que possam atender de forma equilibrada, os interesses dos envolvidos, para fins de aprovar o plano de recuperação judicial, em assembleia geral de credores.
Isso implica, como consequência, que no stay period, a gestão da empresa pelo empresário devedor, deve ser estratégica, focada na recuperação judicial da sua empresa. Dedução que leva a conclusão óbvia, portanto, que a empresa deve manter as suas operações em atividade, cumprindo com as suas obrigações legais, mormente, com as tratativas perante os credores, e as pertinentes perante ao administrador judicial e ao juízo da RJ.
Alcance e Limitações do Stay Period
Como referido, o alcance mais notório do período de permanência, é o definido pelo art. 6.º, incisos e §4.º da Lei 11.101/2005 anteriormente citado que, em regra, suspende todas as ações e atos que visam a constrição patrimonial da empresa devedora por um período de 180 dias, para fins de assegurar o ambiente propício de estabilidade financeira, sem a pressão de execuções judiciais e expropriação de bens, a ponto de comprometer suas operações, e claro, os princípios de interesse socioeconômico.
Por estas razões maiores, excepcionalmente, admite-se a prorrogação do prazo do stay period além dos 180 dias necessários para atender os fins da recuperação judicial, desde que, o devedor não tenha concorrido com as causas da morosidade para a aprovação do plano de recuperação judicial em assembleia geral de credores.
Outra limitação que passamos a dar notoriedade, é a do art. 6.º, §7.º-A e §11 da LRF, por excluir expressamente as execuções fiscais dos efeitos do stay period.
A propósito, pela dicção da regra dos artigos 57 e 58 da LRF, como condicionante da homologação em juízo, do plano de recuperação judicial aprovado, o empresário em crise deverá apresentar as certidões negativas de débitos tributários. No entanto, não rara as vezes, os princípios de ordem pública que almejam proteção e justificam o Plano de Recuperação Judicial, deixam de serem observados com a imperatividade das execuções fiscais em face do devedor, no período de permanência.
Em virtude dos princípios maiores que enaltecem o interesse da homologação do plano de recuperação judicial aprovado, quanto a exigibilidade de certidão negativa de débito tributários para a homologação do plano pelo juízo competente, justificou o embate jurídico, culminando no atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento pelo REsp 1.864.625/SP, precursor da consolidação do entendimento da Corte Superior, nos termos do voto da relatora, Min. Nancy Andrigui, ipsi litteris:
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. ART. 57 DA LEI 11.101/05 E ART. 191-A DO CTN. EXIGÊNCIA INCOMPATÍVEL COM A FINALIDADE DO INSTITUTO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA E FUNÇÃO SOCIAL. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI 11.101/05.
1. Recuperação judicial distribuída em 18/12/2015. Recurso especial interposto em 6/12/2018. Autos conclusos à Relatora em 30/1/2020.
2. O propósito recursal é definir se a apresentação das certidões negativas de débitos tributários constitui requisito obrigatório para concessão da recuperação judicial do devedor.
3. O enunciado normativo do art. 47 da Lei 11.101/05 guia, em termos principiológicos, a operacionalidade da recuperação judicial, estatuindo como finalidade desse instituto a viabilização da superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Precedente.
4. A realidade econômica do País revela que as sociedades empresárias em crise usualmente possuem débitos fiscais em aberto, podendo-se afirmar que as obrigações dessa natureza são as que em primeiro lugar deixam de ser adimplidas, sobretudo quando se considera a elevada carga tributária e a complexidade do sistema atual.
5. Diante desse contexto, a apresentação de certidões negativa de débitos tributários pelo devedor que busca, no Judiciário, o soerguimento de sua empresa encerra circunstância de difícil cumprimento.
6. Dada a existência de aparente antinomia entre a norma do art. 57 da LFRE e o princípio insculpido em seu art. 47 (preservação da empresa), a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para concessão do benefício recuperatório deve ser interpretada à luz do postulado da proporcionalidade.
7. Atuando como conformador da ação estatal, tal postulado exige que a medida restritiva de direitos figure como adequada para o fomento do objetivo perseguido pela norma que a veicula, além de se revelar necessária para garantia da efetividade do direito tutelado e de guardar equilíbrio no que concerne à realização dos fins almejados (proporcionalidade em sentido estrito).
8. Hipótese concreta em que a exigência legal não se mostra adequada para o fim por ela objetivado – garantir o adimplemento do crédito tributário -, tampouco se afigura necessária para o alcance dessa finalidade: (i) inadequada porque, ao impedir a concessão da recuperação judicial do devedor em situação fiscal irregular, acaba impondo uma dificuldade ainda maior ao Fisco, à vista da classificação do crédito tributário, na hipótese de falência, em terceiro lugar na ordem de preferências; (ii) desnecessária porque os meios de cobrança das dívidas de natureza fiscal não se suspendem com o deferimento do pedido de soerguimento. Doutrina.
9. Consoante já percebido pela Corte Especial do STJ, a persistir a interpretação literal do art. 57 da LFRE, inviabilizar-se-ia toda e qualquer recuperação judicial (REsp 1.187.404/MT).
10. Assim, de se concluir que os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário), não tem peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômicofinanceira que o acomete.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
(REsp n. 1.864.625/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 26/6/2020.)
(G.N.)
Por entender o Superior Tribunal de Justiça, à luz do princípio da proporcionalidade, que a certidão negativa de débitos tributários não atende a “função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete”, passou a orientar a jurisprudência, que deixa de ser uma exigência legal para a homologação ou concessão do plano de recuperação judicial aprovado, a certidão negativa de débitos tributários, em que pese o artigo 68 da LRF.
No entanto, o fato de, por ora, ser inexigível as certidões negativas para os débitos tributários para a homologação do plano de recuperação, no stay period, as execuções fiscais não são suspensas, podendo, ao final, vir a penhorar os bens do devedor, desde que não sejam considerados essenciais para o exercício da atividade econômica, como determina o art. 6.º, §7.º-B da LRF
Alcance outro, é no sentido do stay period não impedir a realização de atos necessários à continuidade das atividades empresariais, como a venda de ativos ou a obtenção de novos financiamentos. Estes empréstimos neste cenário jurídico, são conhecidos como debtor-inpossession financing (financiamento de devedor em posse), ou seja, financiamentos que visam suprir a falta de fluxo de caixa, de modo a permitir a continuidade das operações da atividade econômica.
Juristas como Paulo Penalva Santos destacam que a flexibilidade do stay period é essencial para adoção de medidas estratégicas para o sucesso da recuperação, observado os direitos dos credores e os limites legais.
Assinala-se que o stay period não alcança as ações de conhecimento de cobrança em face da empresa, por não terem o trânsito em julgado da certeza e da exigibilidade de valores liquidados em desfavor do devedor. O período de permanência afeta somente as execuções de dívidas liquidadas e exigíveis anteriores ao deferimento do pedido de recuperação judicial, intituladas como créditos concursais. As dívidas de origem posterior ao deferimento da recuperação judicial, são denominadas como créditos extraconcursais, e não são afetadas pelos efeitos do stay period.
Por fim, de suma importância, para fins da legalidade dos efeitos do objeto em análise, é não poder servir o período de permanência, como ferramenta para consolidar o prolongamento indefinido da recuperação judicial, pois, do contrário, desvirtuaria os princípios que a regem e justificam a sua existência legal.
Certo é que, a correta aplicação do stay period, é fundamental, talvez, condicionante para o sucesso do processo de recuperação judicial e para a proteção dos interesses de bem comum e econômico envolvidos.
Efeitos Práticos e Desafios do Stay Period
Um dos efeitos práticos mais conhecido, por certo, é o ‘período de blindagem’ de 180 dias, prorrogáveis, como mencionado alhures. Através destes efeitos, permite a empresa se reorganizar, reestruturar e elaborar um plano de recuperação judicial para a aprovação dos seus credores. Razões que justificam, inclusive, a prorrogação do stay period, em virtude dos enaltecidos princípios sociais e econômicos que visa a atender.
No entanto, o stay period enfrenta desafios! A nosso ver, a mais importante, por apresentar risco a sua finalidade, e por derradeiro, ao êxito da aprovação e execução do plano de recuperação judicial, são as obrigações tributárias. Obviamente, o devedor a beira da falência, em sua via de regra, terá vultuoso débitos tributários, pois, o Fisco costuma ser o primeiro a sofrer com a inadimplência.
Ainda que o parcelamento dos débitos tributários possa atender as necessidades do devedor, não será difícil haver situações que isso importe forte desafio. Impacto que nem mesmo o parcelamento possa ser suficiente para permitir a viabilidade da atividade econômica. O passivo fiscal elevado poderá ser forte obstáculo para a efetividade do stay period, e por consequência, dos princípios que regem o plano de recuperação judicial, de natureza de ordem pública.
Enfim, na prática o ‘período de blindagem’ proporciona ‘fôlego’ e vantagem na elaboração e aprovação do plano de recuperação judicial, frente aos seus credores. Todavia, para que haja a aprovação do plano de recuperação, é imprescindível uma relação cuidadosa, cautelosa, para alcançar certo equilíbrio que atenda os interesses dos seus credores, em razão de que, sem a aprovação do plano de recuperação judicial, perde o sentido os benefícios de proteção proporcionados pelo stay period, em caso de convolação de falência do devedor.
Conclusão
Inteligível a progressão do tratamento legal dispensado ao devedor sem condições de arcar com seus débitos face aos seus credores, no decorrer da história, onde a responsabilidade pelos débitos não pagos pelo devedor, evoluiu da execução a sua pessoa, para o seu patrimônio.
Nesse interstício, destacamos a evolução legislativa dada pelos Estados Unidos da América, por onde dá-se início a compreensão da importância da atividade econômica do devedor em crise, repudiando a presunção de culpa do empresário, com a afamada imagem de caloteiro e fraudador, em virtude das legislações conhecidas como Bankruptcy Act, de 1934 e, posteriormente, com a Chandler Act, de 1938.
Trata-se da consagração do princípio normativo que rege as recuperações judiciais.
Evolução normativa que refletiu, tempos após, no ordenamento jurídico do nosso país, com a promulgação da Lei 11.101/2005, com foco na proteção dos interesses socioeconômico provenientes da atividade econômica do empresário em crise, para fins de proteção do pleno emprego e dos benefícios da atividade econômica para a economia como um todo.
Nesse ponto, aduzimos que entre os principais efeitos e alcance do período de permanência, é no sentido de atribuir o tempo crucial e necessário para o devedor empresário se organizar e reestruturar suas operações econômicas, mediante a suspensão de ações e atos de constrição patrimonial, em especial, os indispensáveis para o exercício da atividade econômica, por meio de negociações com os seus credores, para chegar a um consenso na forma de pagamento dos débitos que antecedem o pedido de recuperação.
Concluímos que os benefícios concedidos pelo stay period ao empresário devedor, tem como finalidade precípua, não só permitir a reorganização financeira do devedor, mas contribuir para o sucesso da aprovação do plano de recuperação judicial, por suspender a prerrogativa das ações de constrição patrimonial que se valeriam os credores.
Ademais, o sentido e finalidade do stay period, está intimamente ligado ao da recuperação judicial, ou seja, a de evitar a falência do empresário em crise, em defesa dos interesses de ordem pública, que sobejam a dos interesses individuais dos credores.
Doravante, podemos deduzir que, os efeitos do stay period importa em verdadeira conditio sine qua non para que se propicie o ambiente seguro necessário para a aprovação do plano de recuperação judicial. Não fosse os benefícios do stay period, por certo, não haveria de existir plano de recuperação judicial aprovado, de modo a evitar a falência.
No entanto, apesar de algumas progressões pela compreensão do stay period, vimos que ainda há desafios! É preciso ainda em nosso panorama jurídico, quer seja pelos princípios da proporcionalidade ou do diálogo das fontes, como critério de hermenêutica, relativizar os efeitos da regra do artigo 6.º, §7.º-A da Lei 11.101/2005, que afasta em absoluto, os efeitos do stay period para os débitos de natureza tributária.
Admitindo empiricamente, a possibilidade de a crise financeira do devedor importar em vultuoso débito tributário, com entraves de parcelamento, a sua execução compulsória poderá tornar sem sentido o período de permanência do stay period, incutindo com isso, sérios riscos de falência, à revelia do espírito ontológico da Lei 11.101/2005, no tocante a guarnecer ou proteger princípios de interesses sociais e econômicos.
Há necessidade de avanços, nesse ponto.
Por fim, o stay period é uma ferramenta essencial na recuperação judicial que, sem o qual, não haverá como proporcionar que empresas em dificuldades financeiras possam se reorganizar e continuar operando, beneficiando não apenas os devedores e credores, mas também, a economia como um todo, pois, a falência da empresa, é consequência que não interessa aos credores, por não garantir a integralidade dos débitos, quiçá, o seu pagamento.
A bem da proteção dos interesses sociais provenientes da atividade econômica, é indispensável a defesa que proporciona o período de permanência, para possibilitar a aprovação do plano de recuperação judicial, em vista do fim maior da defesa da estabilidade e do crescimento econômico da nossa economia, preservando empregos e promovendo a sustentabilidade empresarial.
Referências bibliográficas
i Jusbrasil, 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-que-e-stayperiod-conceito-aplicacao-e-jurisprudencia/2781435832. Acesso em: 01/11/2024.
ii SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial de empresas e falência: comentários à Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
iii COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018

 
												

